sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Presente aponta para celebração de união dos afrodescendentes

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Vanda Machado | Redação CORREIO

Em comemoração ao dia da Consciência Negra, o jornal CORREIO lançou o caderno especial 'BahiÁfrica - sonho presente' que traz artigos envolvendo literatura, esportes e humanidades sobre o continente africano e o reflexo no nosso dia-a-dia e na Bahia. Confira na íntegra o artigo da doutora em educação, Vanda Machado.

O PRESENTE

Dia 17 de novembro, terça feira amanheço no terreiro Afonjá e muitas memórias se juntam e se repetem como desde que me reconheço como gente de santo. Ainda não há sol e me junto a outras mulheres na casa de Xangô. Estamos nos preparando para o Presente. Carregamos talhas e um balaio com oferendas para Oxum e Iemanjá. As Mães ancestrais recebem o carinho e o reconhecimento de seus filhos.

De volta, Mãe Stella nos esperava e nos abençoa, um por um, seus filhos e filhas, agora compondo o seu navio guerreiro. É a última celebração pública do ano. Estamos juntos festejando a vida desde a última sexta feira do mês de setembro, quando celebramos as Águas de Oxalá.


Rainhas e reis foram sequestrados e vieram como mercadorias, trazendo na lembrança, cultos e rituais, que foram passados oralmente de pai para filho, a chamada “memória ancestral”

Esta é uma reminiscência de negras e negros quando recriaram celebrações, como forma de trazer de volta o passado, que renasce todo ano, com rezas, cantos e danças, mantendo e revivendo sempre, a memória num passado que se faz presente como novidade. Um passado que se conserva no espírito de cada negra ou negro e faz celebrar a vida, cantando e dançando com seus ancestrais. Memória que se apresenta quase como um sonho coletivo e que continua se refazendo pela repetição desde a chegada do povo africano no Brasil.

Para criar as riquezas que deram lugar à nação brasileira, nossos ancestrais negros foram seqüestrados e trazidos empilhados como peças humanas, ou corpos sem dor e sem alma. Homens e mulheres que deixaram tudo que lhe era afetivo e precioso no outro lado do Atlântico. Naquele momento, a questão seria: como recuperar a dignidade dessas criaturas no mais completo desterro e abandono.


Memórias se juntam e vivências apontam para a celebração de amor e união dos afrodescendentes

Negras e negros escravizados mergulhados em si mesmos, buscam na mais antiga memória valores culturais carregados do sentimento de agregação como espelho da família ancestral. Família que transcende aos laços biológicos, etnias e qualquer outra possibilidade de disjunção. Isso significa que nos primeiros momentos nos navios negreiros, pela necessidade de acolhimento mutuo negros e negras se tornaram malungos. Malungo na língua banto significa irmão ou companheiro de viagem. Mais tarde, esse mesmo sentimento fez com que esses malungos confiassem uns nos outros e fugissem em grupos formando os quilombos inventando a liberdade da gente.

A agregação propiciou o nascimento das irmandades católicas de Nossa Senhora do Rosário, Irmandade da Boa Morte, de São Benedito, Santa Helena e tantas outras, espalhadas por todo Brasil. Surgiram, também, as sociedades; a exemplo dos Pretos Desvalidos e, finalmente, as Casas de Santo ou comunidades terreiros.

Nos terreiros, pelo cuidado e acolhimento nasceram as famílias de santo, com sua força e seus mistérios. Devido aos segredos e mistérios, as religiões de matriz africana ou exercem uma força e um fascínio nas pessoas e na sociedade, ou provocam raiva e intolerância daqueles que ainda não aprenderam conviver com a sua própria história.

Acabaram-se as festas deste ano. Há pouco estávamos todos no mesmo barco. Tinha gente de todo jeito e de toda cor. Nós nos separamos, nos abençoando mutuamente. Fomos nos afastando guardando um sentimento inexplicável. De fato a herança africana de que falamos está imbricada com a história desse país, produzindo uma teia de vivências que se repetem cotidianamente nas singularidades e nas diferenças do jeito de ser do seu povo.

São as vivências comunitárias que recuperam da ancestralidade a consciência mítica plena de rituais, de expressões de significados sagrados e um repertório de simbologias reterritorializando e transformando a cultura numa religião que acolhe cada pessoa como ser único, pelo respeito à sua individualidade e a sua importância como filho da comunidade e membro importante da família de santo.

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