sábado, 9 de agosto de 2008

Terreiro vai à luta por fim de imposto



Cleidiana Ramos, do A TARDE
09/08/2008 (19:57)

A Prefeitura de Salvador garante que está perto de ser concedida a imunidade fiscal para o Terreiro Casa Branca, além de ser cancelada a cobrança de pouco mais de R$ 820 mil referente a IPTU. Formalizadas essas providências estará reconhecida, oficialmente, a qualidade de templo religioso para o terreiro.

A imunidade, neste caso, é um direito constitucional. Mas a polêmica pode não terminar tão facilmente, afinal já há queixa formalizada sobre o caso no Ministério Público Estadual e continua uma campanha de protesto via internet.

Numa nova modalidade do correio nagô – a transmissão de notícias via oral – a estratégia de apoio ao terreiro está funcionando via internet. Os defensores do templo religioso participam enviando e-mails de protesto ao prefeito João Henrique.

“Começamos a campanha na semana passada e a adesão já veio de pessoas que estão na França, Inglaterra, Itália, Noruega”, enumera o doutor em antropologia e ogã da Casa Branca, Ordep Serra, autor do manifesto em defesa do terreiro que começou a ser veiculado na internet.

O MP deve se pronunciar sobre o caso nesta semana, quando vai decidir se irá instaurar inquérito para apurar cobrança do imposto a outros terreiros. A Casa Branca é considerado o mais antigo terreiro de tradição ketu do País. Foi o primeiro templo de matriz africana reconhecido como patrimônio pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Além disso é reconhecido pela Prefeitura de Salvador como área de proteção cultural e paisagística, além de patrimônio cultural. Para o antropólogo a cobrança pode ser considerada intolerância religiosa. “Chegaram a cobrar a dívida de Antônia Maria dos Anjos que é uma pessoa que morreu na primeira metade do século passado. Isso é, no mínimo, imoral”, acrescenta Serra.

Lei – O poder municipal também desapropriou a área onde ele foi erguido. Em seguida fez a doação do terreno à associação civil que o representa. Mais tarde o governo estadual fez o mesmo com a área onde está a Praça de Oxum. “Tudo isso está bem documentado e é de conhecimento público”, acrescenta Serra.
A advogada Elga Lessa explica que existem quatro processos de execução fiscal contra a Casa Branca, dentre os quais um de arresto, uma determinação legal usada quando o réu não é encontrado. O problema é que a ré em questão, Antônia Maria dos Anjos, faleceu há mais de 70 anos.

“O grande entrave é que eles pedem comprovação de documentação que no caso de um terreiro tão antigo não se reúne tão facilmente”, destaca a advogada da Koinonia, uma ONG com atuação inter-religiosa e que em Salvador tem assessorado os terreiros em relação à questão de preservação das suas áreas.

A advogada faz referência ao que a Secretaria Municipal da Fazenda (Sefaz) que cuida das questões de cobranças de impostos municipais, reconhece como dificuldade no tratamento de situações envolvendo terreiros: o Estado reluta diante das peculiaridades destas organizações. Os terreiros são templos religiosos erguidos em propriedade particular, inclusive com área ocupada para a fixação da residência dos seus integrantes.

“Reconhecemos o quanto esta questão é complexa. Mas ao mesmo tempo temos que ter muito cuidado para não criarmos precedentes que venham a ser aproveitados por quem não tem direito ao benefício”, destaca o procurador do município e coordenador de Tributação da Sefaz, Rafael Carrera.

Em relação à Casa Branca, Carrera afirma que já foram tomadas medidas como o pedido de suspensão das cobranças judiciais junto à Procuradoria do Município. Para a imunidade, a espera agora, segundo ele, é pelos resultados de uma perícia técnica que deve ficar pronta em 30 dias. A partir do resultado dela a imunidade será declarada.
“Mas o nosso objetivo é exatamente esclarecer que temos que ter um trabalho de parceria, ou seja, há providências também que devem ser tomadas pelos terreiros, pois há um limite pra a nossa atuação institucional”, acrescenta.

O advogado e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e Universidade Católica do Salvador (Ucsal), Samuel Vida afirma que do ponto de vista do Direito Constitucional a cobrança de IPTU dos terreiros é inconstitucional. “A Constituição Federal, no Art. 150, estabelece a imunidade tributária para os templos de qualquer culto”, diz.

Além disso, segundo ele, a Constituição, nos artigos 215 e 216, também reconhece a sociedade brasileira como multicultural e a tradição afro-brasileira como patrimônio nacional. “Logo, as peculiaridades civilizatórias constitutivas da religiosidade de matriz africana não podem ser utilizadas para embaraçar ou impedir o exercício do direito à liberdade religiosa”, diz.

Tombamento do Terreiro Casa Branca

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